7 de maio de 2015

A Pisco

Nos tempos do secundário e da faculdade eu era conhecida pelos meus amigos (e alguns colegas) por Pisco. Por vezes também Pisquito, ou Pisquinho.
Há muitas Sónias da minha idade. Por duas vezes estive em turmas em que éramos 4. "Sónia", chamava o professor. "Qual delas?"
O pessoal foi-me chamando pelo meu apelido e eu fui-me habituando.

O meu "nom de guerre", como dizia um professor em Coimbra.

A Pisco.

Tornou-se de tal modo uma parte de mim que nem mudei de nome quando me casei.

Há quase oito anos que me mudei para esta cidade. Vim para um lugar onde não tinha nada nem ninguém para além daquele que é hoje o pai dos meus filhos.

Aqui sou conhecida por Sónia pela família do marido e pelos conhecidos. Mamã pelos miúdos. Mãe no infantário deles. Terapeuta Sónia no trabalho.

Aqui não sou a Pisco.
A Pisco ficou para trás. E eu sinto a sua falta. Aqui sou a mãe, a esposa, a nora, a fisioterapeuta.
Mas não a Pisco.

Sinto falta de ser só eu. De ter amigos que me conhecem por mim, não pelo papel que desempenho. Essa parte de mim foi com cada um dos amigos. Anda espalhada pelo mundo, na memória deles (espero). E na minha memória, bem lá no fundo, debaixo de camadas de mãe, mulher e profissional.

Mas no fundo ainda sou a Pisco. Ela ainda manda cá para cima postas de pescada, gritos de revolta e respostas sarcásticas que a profissional, a esposa e a nora têm de abafar. Ela ainda gosta de ver desenhos animados, debitar pedaços de conhecimentos e imitar vozes malucas que a mãe filtra e aproveita.

Mas a Pisco livre, essa ficou para trás. A Pisco despreocupada, a geek, a parceira de conversas, canções e banhos de sol já não sei dela.


Tenho saudades de me chamarem Pisco.

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