Ao fim de duas semanas, eu e a Júlia sobrevivemos à entrada na creche.
Foram 20 meses de estreita convivência. Acho que nunca nos tínhamos separado por mais de duas ou três horas. Unidas sempre. Era de tal modo que ela não suportava separar-se de mim, mesmo que ficasse com o pai, ou uma das avós, ou as duas. Chorava desalmadamente, desconsoladamente, desesperadamente. E eu pensava como seria para a pôr na creche. E depois lembrava-me que às vezes as crianças nos surpreendem.
Estava na hora de seguir em frente. Ela dava sinais de querer estar com outras crianças da sua idade, aprender coisas novas, ter experiências diferentes.
E eu preciso de ter algum tempo para organizar a casa, organizar as coisas, organizar-me. Arranjar emprego. Tempo para mim também, redescobrir que para além de ser mãe, e esposa, e dona de casa, ainda cá estou eu. E tenho andado tão escondida, tão encafuada debaixo dos meus outros papéis, como uma camisola na pilha de roupa para passar que não é precisa para já e vai ficando para depois, a tal ponto que quase nos esquecemos que ela existe. Acho que já quase me esqueci de quem eu sou...
A separação foi difícil. No primeiro dia ela começou logo com o "não, não, não", mas a educadora pegou nela e levou-a a ver uns desenhos na parede, depois as outras crianças, e eu escondi-me, para não a distrair. E ela ficou. E eu voltei para casa. No curto trajecto que fiz a pé, senti aquele nó na garganta e as lágrimas nos olhos, mas respirei fundo e lembrei-me que ela estava bem e que eu ia ficar bem.
Liguei à hora do almoço, e disseram-me que dormia e estava bem. Quando a fui buscar, veio a chorar e agarrou-se a mim como uma lapa! Tinha chorado durante o dia, disseram-me, mas não ininterruptamente, e não desalmadamente. E tinha dormido. E tinha comido.
No dia seguinte chorou, no que veio a seguir chorou, mas sempre menos.
Segunda semana e a Júlia não chorou na segunda-feira. Mostrou curiosidade e interesse, foi ao colo das auxiliares, muito séria, mas sem chorar. E cada vez mais serena, mais segura. De vez em quando chora quando a levo, mas depressa se acalma. Só chora quando a vou buscar, como se se lembrasse que tinha saudades.
Eu vou pondo ordem na minha vida. Às vezes, a seguir ao almoço ainda dou por mim a pensar se aquele barulho não seria a pequena a acordar da sesta... não, não é, ela está na creche! Hábitos antigos...
A Júlia tem andado bem. Por vezes (muitas vezes) quando acorda de noite quer dormir comigo, e eu trago-a para a minha cama. Às vezes pede-me de mamar quando volta para casa, ou a qualquer altura. E eu dou. De resto, está tudo como sempre. Corre por todo o lado, brinca comigo e com o irmão, começa a dizer mais palavras, está cada vez mais espevitada. Ainda mais.
Sinto que foi a altura certa. Cada vez mais me convenço de que as crianças têm todas o seu tempo, a altura certa para cada etapa. Se respeitarmos esse tempo, é tudo mais fácil e simples. As coisas fluem melhor e tudo corre mais naturalmente. Fico feliz por poder fazer as coisas deste modo.
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