8 de outubro de 2017

Fraude

És uma fraude.
Quem é que estás a tentar enganar? Tu não consegues.
Estás a ver o que ela faz? Alguma vez podias fazer o mesmo?
As pessoas elogiam-te apenas porque não te conhecem bem. Mais cedo ou mais tarde vão perceber que não és merecedora dos seus elogios.
Só fazes merda.
Não vale a pena, vais acabar por fracassar, como sempre.
Vais desiludir toda a gente, ou pior, vais prejudicar as pessoas.
Tu não és capaz.

Tenho esta vozinha irritante na minha cabeça desde que me lembro. Há dias em que fala baixinho, a medo. Outros dias grita tão alto que quase não consigo ouvir mais nada.

Sempre que penso fazer algo novo, algo de que gosto mesmo, que acredito que pode resultar, que me fará feliz, a voz começa a elevar-se. Nos dias bons, em que me sinto bem, confiante nas minhas capacidades e na minha vontade, consigo abafá-la e já tenho iniciado projectos assim, aproveitando que ela está distraída.

Mas é preciso muito pouco para ela ganhar força. Se estou cansada. Se tenho muito que fazer. Se estou decepcionada com algo que fiz. Se algo correu mal e não consegui encontrar razões válidas ou não me consegui perdoar a tempo. Se alguém me trata mal, me desrespeita, me tira valor.

Nessas alturas ela ruge. É ensurdecedora. É de tal maneira forte que me incapacita. Por fora, posso estar funcional, mas estou em piloto-automático, escondida num cantinho da minha mente, enrolada em posição fetal.

Devo dizer que não acontece sempre (felizmente) e até me sinto muito orgulhosa de tudo o que tenho conseguido fazer na vida. Sou mais forte do que a voz me quer fazer acreditar. Mais talentosa, mais corajosa, mais capaz. Sei disso, eu conheço as minhas capacidades e os meus defeitos. Hoje sei o que valho, e que não é de modo nenhum pouca coisa.

Mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo, senti que o valor que me davam baseava-se no meu bom comportamento e nas minhas boas notas. "A Sónia é tão boa aluna, tão inteligente. E porta-se tão bem!" Sim, eu era uma boa menina, estava bem amestrada. Era esse o meu valor.

Não que eu me esforçasse por ter boas notas. Simplesmente ouvia, lia, queria aprender e pronto. Aprendia. Até cerca do 10º ano não precisei de estudar. O que me fazia sentir uma fraude. As minhas notas não eram fruto do meu trabalho, apenas da sorte. Tinha sorte em aprender depressa, só isso. Que valor tinha isso? Eu não o podia controlar. E se um dia eu não soubesse uma resposta? Se tivesse uma negativa? Se o meu valor estava nas minhas notas, deixaria de ter valor. Deixariam de gostar de mim?

Chegou essa altura, e o mundo ruiu por um tempo. Tive de recolocar as peças todas no sítio outra vez, mas já não era a mesma coisa. E senti que já não confiavam em mim como dantes, como se eu tivesse faltado a uma promessa.

Já passou bastante tempo desde essa altura. Já passei por várias experiências, já cresci, já me reconstruí, já me melhorei, já me tornei uma versão mais ao meu gosto, em vez do gosto dos outros. Aprendi a gostar de mim pelo que eu sou, com as minhas falhas. Aprendi a perdoar-me pelas vezes que falhei.

Mas a voz, mesmo abafada, continua comigo e penso que estará comigo sempre. E com ela vem o medo. De ser descoberta. De perceberem que sou uma fraude. De falhar com as pessoas que confiam em mim e me amam, de perder o seu amor e a sua confiança. Porque por fora até posso parecer confiante. Mas por dentro avanço a medo, com medo. Passo a vida a fazer as coisas um bocado às apalpadelas. Sei lá eu o que estou a fazer, estão malucos? Eu não percebo nada disto!

Mas sabem? Avanço à mesma. Devagar, às vezes, com mais confiança, outras vezes, e sim, por vezes às cegas. E até volto atrás, de vez em quando, e dou-me um tempo para esperar que a voz se canse um bocado, e a poeira assente para poder ver de novo.

Por isso, se algum dia notarem que pareço bloqueada, ou mais lenta que o habitual, ou triste, dêem-me um desconto: pode ser que o barulho cá dentro não me deixe ouvir como deve ser. Sejam gentis. Dêem-me um tempo. Esperem que eu volto já.


1 de outubro de 2017

E votar, não?

Sempre acompanhei os meus pais às mesas de voto em dias de eleições. Desde pequena aprendi o que era um cartão de eleitor, um boletim de voto, como se dobra. Aprendi que o voto é secreto e porquê, que é um dever e um direito. Mais tarde aprendi que é um direito conseguido a muito custo. Por isso, a primeira coisa que quis fazer, assim que fiz 18 anos, foi recensear-me na Junta de Freguesia.
Por essa mesma razão sempre levei os miúdos comigo a votar, desde bebés.
Hoje, e porque as nossas mesas de voto eram em locais diferentes, eu e o pai separámo-nos. Ele levou o Xavier, eu fiquei com as miúdas. Pelo caminho contei à Júlia a importância especial de nós mulheres votarmos. Contei-lhe a história de Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal. Que depois dela passaram-se 63 anos até que todas as mulheres pudessem votar. Tempo demais, na opinião da minha filha.
Chegadas à mesa de voto, foi a Júlia que entregou os meus documentos. Veio comigo para a cabina de voto, expliquei-lhe como se fazia, pedi-lhe segredo e foi ela que colocou, orgulhosamente, os boletins na urna. À volta, ainda me fez uma data de perguntas sobre o processo eleitoral.
Querem saber como combater a abstenção? Dar o exemplo é capaz de ajudar. O dia está bom. Que tal um passeio com os miúdos até à vossa mesa de voto?


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